O Adiantamento de Herança e os Limites da Doação de Pais para Filhos
- Ferreira Fredes Advogados
- 15 de set. de 2022
- 6 min de leitura
Doação segue sendo mecanismo que viabiliza a destinação de patrimônio familiar, mas condições e limites precisam ser observados para garantir a eficácia dos negócios. Outros caminhos envolvem a elaboração de Testamento ou a formação de Holding Familiar.
Uma das questões que frequentemente leva as pessoas a procurarem um escritório especializado em direito de família e sucessões é a busca de mecanismos capazes de oferecer um destino para o patrimônio que acumularam ao longo da vida. A doação em vida de bens de pais para filhos é um mecanismo bastante utilizado para resolver o destino do patrimônio, seja para buscar distribuir seus bens de forma mais justa, seja por desejar evitar conflitos, ou simplesmente a fim de obter redução da carga tributária que poderá incidir no processo de inventário.
A questão que muitos desconhecem é que a legislação nacional tratou de estabelecer diversos limites e requisitos que, se não observados, podem tornar nulos os negócios realizados, frustrando as expectativas dos doadores e donatários, além de impor novos custos em caso de necessidade de reelaboração dos contratos de doação. Assim, a seguir serão apresentados os principais obstáculos que precisam ser observados pelo advogado na hora de auxiliar seus clientes que buscam praticar esse tipo de doação.
1 – Doação Universal - É nula a doação de todo o patrimônio do doador sem que seja feita uma reserva que garanta sua subsistência.
Essa primeira restrição, usualmente denominada de doação universal, encontra-se estabelecida no Art. 548 do Código Civil. Como se pode perceber, essa não é uma restrição que diz respeito especificamente a doações de pais para filhos, sendo vedado em qualquer caso doar todo o patrimônio ao ponto de não poder mais prover sua própria subsistência.
Para suprir a exigência legal de garantia do próprio sustento, o mecanismo do qual frequentemente se pode lançar mão é a reserva de usufruto. Doa-se a chamada nua propriedade do bem aos filhos e concomitantemente se estabelece reserva de usufruto vitalícia, garantindo ao ascendente a permanência no imóvel ou o recebimento de aluguéis. Por ocasião do falecimento do usufrutuário, extingue-se automaticamente a reserva de usufruto, passando os filhos imediatamente à condição de proprietários plenos.
2 – Doação Inoficiosa – Só pode doar os bens de que poderia dispor por testamento.
A segunda restrição se aplica sempre que o doador tiver herdeiros necessários, o que significa sempre que o doador possuir descendentes, ascendentes ou cônjuge, conforme disposição do Art. 1845 do Código Civil. Assim, evidentemente, para as doações de pais para filhos a limitação será aplicável. O sentido é de resguardar a chamada herança legítima, conforme Art. 1846 do CC/2002, composta por metade dos bens da herança. No mesmo sentido, a disposição do Art. 1789 do Código Civil estabelece que o testador só poderá dispor de metade dos bens da herança sempre que houver herdeiros necessários.
Um ponto importante mas que na prática pode gerar problemas é que não se pode esquecer que a herança é definida após a separação da meação do cônjuge sobrevivente. Ou seja, se o doador é casado ou convivente e possui bens que integram a futura meação, não pode contabilizar a totalidade destes bens, uma vez que eles não estarão compreendidos na herança e obviamente sobre eles não poderia dispor em testamento.
Exemplificando para tornar mais claro: se o doador é casado e deseja doar metade do patrimônio que poderia dispor em testamento, sendo o patrimônio comum do casal no valor de 1 milhão de reais, é importante primeiro retirar a meação (500 mil reais) e será apenas sobre a metade do restante que se poderá dispor em testamento ou doar em vida (ou seja, 250 mil reais). Neste mesmo exemplo, caso haja, além do patrimônio comum de 1 milhão, um bem particular de 500 mil, o doador deverá primeiro calcular a parte que compõe a herança (metade do patrimônio de 1 milhão somado ao outro bem de 500 mil) e com este valor poderá apurar o quantum cabível de ser doado.
Uma saída possível para que seja feita a doação de metade do patrimônio do casal é, claro, que a doação seja feita pelos dois cônjuges, ambos doando o equivalente à metade do que poderiam dispor em testamento. No exemplo em que o casal possuía um patrimônio de 1 milhão, se ambos os cônjuges doarem, será possível que a doação alcance até 500 mil reais, e não apenas 250 mil.
Essa questão pode parecer simples de resolver por meio da doação conjunta sugerida no parágrafo anterior, caso esteja a se pensar em filhos comuns do casal, hipótese na qual provavelmente os ascendentes estarão de acordo em realizar a doação aos descendentes comuns. Mas, pensando na possibilidade de filhos havidos de outra relação, por exemplo, de um primeiro casamento, e tendo sido os bens adquiridos na constância da segunda união, é facilmente identificável a hipótese em que deverá ser primeiro subtraída a meação a fim de obter o valor do patrimônio que compõe a herança, para apenas deste valor obter a metade que pode ser disposta em testamento ou doada.
3 – Adiantamento de Legítima – A doação de ascendente para descendentes, ou entre cônjuges, importa em adiantamento da herança.
A regra estabelecida no Art. 544 do Código Civil determina que a doação de bens de pais para filhos significa em adiantamento daquilo que teriam direito a receber por meio da herança. Sendo assim, ao conjugar esta regra com a estudada anteriormente, temos que apenas metade do patrimônio pode ser doado quando houver herdeiros necessários e, se essa doação for de ascendente para descendente, significa que o bem doado ao filho será considerado como herança adiantada.
Tal disposição, caso não observada, tem o potencial de acabar por frustrar totalmente os objetivos dos ascendentes quando pretenderem estabelecer divisão desigual entre os herdeiros. A partir do exemplo anterior, supondo que o ascendente buscasse realizar a doação a fim de garantir a determinado descendente uma fatia maior do patrimônio, se a doação for realizada pura e simplesmente, esse descendente deverá realizar o que se chama de colação do bem recebido em doação (Art. 2002 do Código Civil), o que significa trazer para o inventário as informações sobre as doações recebidas a fim de que a herança seja partilhada levando em consideração o bem já recebido.
Assim, retomando nosso exemplo, do patrimônio de 1 milhão, após retirada da meação, temos como valor da herança 500 mil reais. Sabendo que neste caso é possível dispor em testamento de metade deste valor, ou seja, de 250 mil, igualmente será possível doar 250 mil para qualquer descendente. Entretanto, imaginando a situação de ter dois filhos, caso seja feita a doação para apenas um dos descendentes, significa que o descendente que recebeu a doação já terá recebido sua parte na herança, então os outros 250 mil serão herdados integralmente pelo irmão. É perfeitamente possível imaginar casos em que essa resolução não estará de acordo com a vontade das partes.
Para esses casos, existe outra alternativa, que é a chamada cláusula de dispensa de colação, conforme disposto pelo Art. 2005 do Código Civil, que estabelece a possibilidade de que o doador expressamente estabeleça que a doação está saindo da parte disponível do patrimônio, ou seja, não da legítima. Desta forma, no mesmo exemplo, se a doação de 250 mil for realizada com menção expressa da referida cláusula, a outra metade será dividida conforme a Lei estabelecer e o descendente que recebeu a doação também poderá herdar.
Assim, se são apenas dois filhos e, tendo um deles recebido a doação com cláusula de dispensa de colação, este descendente ainda poderá herdar metade da legítima em concorrência com seu irmão.
Estas três limitações respondem pelas principais situações nas quais as disposições em casos de doação de pais para filhos podem vir a não obter o resultado pretendido, mas é importante destacar que tais casos demandam a análise de um especialista, uma vez que são questões complexas que vão além dos casos meramente didáticos que esboçamos neste artigo e, caso inobservadas, podem frustrar as partes em negócios demasiadamente importantes, como a deliberação sobre o destino patrimonial de uma vida inteira de trabalho.
Pelo que foi apresentado, a doação pode ser medida adequada para atender a vontade das partes em relação ao destino patrimonial, mas suas condições e limites precisam ser observados, ou poderá ser melhor optar por outros caminhos, como o Testamento, ou a Holding Familiar. Para estas e outras questões envolvendo planejamento familiar e sucessório, nosso escritório Ferreira Fredes Advogados Associados se coloca à disposição para lhe auxiliar.
コメント